quarta-feira, 18 de março de 2015

Como morrer um nome

Hoje, remexi-te o caos por entre os escombros da manhã e vi-te, cega, no meio da vindimada luz dos teus dias. Sentaste-te na varanda a olhar as crisálidas, como se a água fosse a matéria das tuas mãos.
Inerte. 
Morta além de ti.

Ao fundo, chamei-te.
Confesso: não sei se te queria invocar ou apenas saber; saber que o teu nome ainda tem forma dentro dos meus lábios. Ainda me preenche os espaços invernosos do corpo e antecipa a Primavera por dentro dos ossos.
Chamei-te.
E a minha boca encheu-se de silêncio; como se a minha saliva tivesse perdido o sentido das tuas letras. A sala cresceu de sossego e tu, expatriada de qualquer identidade, continuaste: cega, a olhar as crisálidas secas e a fingir que a água é coisa que coisa que faz com os olhos.

Na minha boca, nada mais restou.
Nem sequer o teu cadáver.

1 comentário:

  1. Eu gosto das imagens neste texto. A boca enchida de silêncio. A importância da pronúncia das palavras, quase como se foram algo material.

    Gostei muito. Uma saudação.

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