domingo, 31 de janeiro de 2016

Cortina Vermelha

Levanto-me e abro a cortina vermelha. Inspiro fundo. A manhã caiu molhada sobre as fotografias espalhadas no parapeito da janela.
Algo mudou lá fora.
Tudo cheira a luz e a sombra das coisas despiu-se de melancolias.
Pergunto-te se serei capaz de viver sob este efeito, este filtro simples do teu olhar. Estás deitado sobre a tua janela, sobre as casas a amanhecerem-te nas mãos (ninguém deveria viver tão alto, penso). Respondes: pedes que te deixe matar-me. Que é isso que se faz quando se ama.
E eu sorrio com a perfeição do teu fogo.
Nesse instante, decido: uma destas manhãs lanço âncoras no teu céu e deixo-me ficar a ver-te seres claridade. Talvez me voltes a fazer acreditar na linguagem límpida das palavras, talvez me construas pálpebras de luz, e me lembres que a fuga é possível; que o mundo não é, afinal, apenas este lugar onde nos esbatemos lentamente, como uma memória velha que não encontra lugar nas molduras em cima da cómoda.

Até lá,
deito-me na sombra desta cortina vermelha e espero que os dias me cubram os ombros de pássaros.
Um dia nascer-me-ão as asas dos caminhos até ti.


Saul Leiter - Red Courtain






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