quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Folhas de Inverno (ou, "os dias sem ninguém")

É no chão, 
rente aos pés,
que as folhas lhe sussurram
a fome e a sede por trás do poema.

Acontece de noite,
sempre de noite,
esta dolorosa melodia.
Desce
misteriosamente,
como uma vertigem;
ele deita-se, encosta
os ouvidos ao chão
como quem cerra os olhos contra a violência
(é preciso a inocência. desesperadamente a inocência)
e encurva-se no sono.

São então as luas e os insectos,
essas aves nocturnas, nucleares,
que lhe agarram as raízes do cabelo
contra a boca aberta da alucinação.
Radioactivos,
minam-lhe os olhos até aos neurónios;
enriquecem-no;
devastam-no;
comem-lhe o mundo e saem ébrios,
como estrelas nascidas de uma emboscada.

Por dentro,
no espaço mais quente do sangue,
fica a violência do sussurro,
a lenta apropriação do pesadelo
e a misteriosa melodia das folhas de Inverno.


Vivian Maier, Central Park, 1954


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