domingo, 7 de fevereiro de 2016

Não há mais anjos a abrirem-te miradouros.

A tarde morre, dolente, no chão dos teus pés.
Lá fora, as ruas enchem-se de gente. Os turistas levantam as bocas à nostalgia da cidade, os restaurantes gritam fúrias que se colam aos tímpanos, os sem abrigo arrastam-se para os cantos, anunciando o frio que se esconde sob as janelas dos hotéis.
Dentro do escritório, fechas as cortinas e observas-te ao espelho: as rugas escavadas à força dos pequenos abismos, as agulhas diluídas nas artérias, os cabelos caídos como versos maduros no Outono.
40 anos de deserto; de fissuras de carácter e pálpebras enevoadas.
Confortavelmente dormente, dirias.
Não esqueces.
Não esquecerás (nunca) - escreves - enquanto queimas as fotografias que te perseguem, com o fogo lento da tua própria adoração.
Não sabes como continuar, concluis, matando mais um cigarro. O fumo estala-te na garganta como um tiro. Não há mais anjos a abrirem-te miradouros e apenas tu notas a tua ausência.

Inspira.
Fundo.
Como se quisesses mesmo viver.

Quando voltares a abrir os olhos, todo o mundo terá mudado.
Será de noite e as lâmpadas dos teus candeeiros terão deixado de respirar.
Olhar-te-ás, de novo, ao espelho, na procura da luz esbatida de uma polaróide e o fogo terá corrompido o seu abandono.

Restarás,
sozinho,
escuro,
cego
pelo teu próprio reflexo.

Nobuyoshi Araki -  from the polaroid series Kekkai (2014)

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